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A FESTA DO CHÃO BATIDO

“nascemos no ventre da terra para

aparecermos na ancestralidade!”.

Antonio Bispo dos Santos

Quando paramos para sentir a frase do ativista quilombola, Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo e refletimos como ela nos soa, conseguimos ouvir nossos mais velhos dizendo lá atrás:

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“Deixa essa criança no chão, criança tem que sentir onde tá pisando!” “Criança tem que brincar de terra pra crescer saudável”...

As frases dos nossos mais velhos estimulando que as crianças sintam e vivenciem a terra, se entremeiam as falas de um número cada vez maior de profissionais que lidam diretamente com a infância, da importância que esse envolvimento terra-criança-natureza é importante para a saúde mental e física destes. A comunidade da Escola da Árvore, inserida no espaço da Serrinha do Paranoá, alvo de constante especulação imobiliária, oferece essa tríade com maestria. Nela, árvores, terra e crianças se encontram para dançar ao som do samba de coco. As árvores frutíferas são companheiras de acolhimento das crianças que se separam pela primeira vez de suas famílias e é possível ouvir gargalhadas infantis de histórias que estão sendo contadas dentro das salas, enquanto fora destas, o farfalhar das folhas e o canto dos pássaros segue em bubuia. Ao iniciarmos o primeiro trimestre na turma da Hibisco matutino, em nossa primeira reunião, lemos um texto, retirado do livro “O espírito da intimidade” de autoria da professora burquinense, Sobonfu Somé, e conversamos sobre a comunidade. Nesta e em outras leituras que encontramos sobre comunidades tradicionais do continente africano, quilombolas ou indígenas, fica nítido como ter uma coletividade comprometida, que seja parte da natureza que a cerca e que se envolva efetivamente uns com os outros, é crescimento. Em sala, ao longo do trimestre, nossos trabalhos com as crianças, objetivaram essa coletividade, de forma que suas individualidades também fossem respeitadas.

Todos os anos, cada turma da escola escolhe um tema que será fio condutor de experimentações que as crianças farão. Estes temas, são atravessados pela LDB, BNCC e pelo próprio PPP da escola, levando como um dos objetivos principais, a transversalidade de campos de estudo e a territorialidade em que estamos inseridos.

O quintal é o palco não só do projeto-fio construído na escola, como também de alegres encontros entre as turmas do infantil, fundamental e integral. Esses encontros dizem muito sobre o que se propõe a Escola da Árvore enquanto comunidade: trocas sobre o que as crianças estão fazendo em sala, muita brincadeira e cuidados uns com os outros. Poderíamos escrever uma longa lista, mas o que queremos com tudo que falamos até aqui, é também contar como o quintal se tornou palco de uma festividade coletiva envolvendo seis turmas.

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Cada turma tinha um projeto: o barro de Nanã, a fluência do Rio Cassai, o chão do picadeiro dos circos, estudos sobre o samba de coco de Mestra Martinha do Coco e a leitura do livro “No dia em que a árvore do meu quintal falou comigo”, e com estes projetos, as turmas dialogaram entre si. Elas trocaram convites para aprenderem mais umas com as outras, e como uma alegre comunidade que se encontra no quintal verde, de gostoso sol matutino, planejaram juntas uma culminância para tantos aprendizados: A Festa do Chão Batido. O nome vem da música “Chão Batido”, do grupo pernambucano Bongar.

Alguns mais velhos contam que a roda de coco, que tinha o nome de Mazuca, surgiu como uma dança de trabalho coletiva, feita para pilar o chão de barro nas senzalas, na época dos sequestros de povos africanos no continente. Na dança, o movimento que os pés fazem ao pisar o barro se liga à sonoridade da batida do tambor e do pandeiro. De posse dessas informações, água, terra e crianças, se juntaram para limpar o terreiro da festa, enfeitar, preparar faixas, customizar camisetas e organizar brincadeiras coletivas no palco-quintal. Que emoção foi, ao final de uma longa semana de trabalho, ver as crianças guiadas pelo som do pandeiro da professora Fernanda, se encaminharem para a festa que tanto planejaram e trabalharam para acontecer. Finalizo este texto, lembrando uma das partes da festa em que estava mais afastada, cuidando do som. Algumas lembranças e sentimentos me vieram enquanto observava a vida no barro se desenrolar à distância, com carinho, veio minha avó, no interior de Minas Gerais, falando : “Vai, Ana Paula, vai brincar na lama do rio!”, encorajando-me adentrar no rio Capoeirão, que ficava próximo de sua casa. E ao pensar em voinha, lembrei de algumas tradições iorubanas, que contam do nascimento da vida pelo barro, o barro de Nanã. Lembrei do curta, Foli, gravado dentro da comunidade Baro, na Guiné que mostra como tudo é ritmo: o som do caminhar pela terra, a água que bate no chão seco, rachado pelo sol forte… imaginem então a vida que se manifestou nesse imenso quintal de chão batido, quando as crianças sentiram seus pequenos pés baterem na lama que cada vez mais se misturava às roupas, folhas e galhos?!

*As imagens são de arquivos pessoais da autora

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ANA PAULA SILVA COUTINHO


Moradora da comunidade do Paranoá, no Distrito Federal, Ana Paula ou Makota Ngun'zilé, como também é conhecida, atua em algumas frentes de trabalho. É pedagoga na Escola da Árvore, onde trabalha, principalmente, com a primeira infância, desde o início do espaço.

No âmbito musical, tem seus estudos e trocas voltados para a cultura popular regional produzida no DF, e é batuqueira/sambadeira/vocal nos grupos Martinha do Coco, Tambor de Crioula Lua Nova, Sambadeiras e Batida do Contorno. Faz parte dos coletivos Da Barragem Pra Cá e Yaa Asantewa, objetivando aquilombamento e construção política-cultural. Sabe que não veio a passeio e bebe da fonte de quem veio antes, aprendendo diariamente que nada está ganho, a luta e o corre continuam.


 
 
 

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